Rio de Janeiro, 25 de Fevereiro de 2025
Autor: Leonardo Abreu
Anna Maria Campos, doutora em administração pública, certa vez, em uma aula na Universidade do Sul da Califórnia, no Centro de Negócios Públicos de Washington, encontrou-se diante de um impasse linguístico. Durante um debate sobre accountability, percebeu que não conseguia traduzir a palavra para o português. O que ela compreendeu de imediato, no entanto, foi que o termo não tinha relação alguma com contabilidade. Nos dias seguintes, à medida que as discussões avançavam, mesmo sem uma tradução precisa, Anna começou a entender o conceito e sua importância.
Essa experiência reflete um desafio maior. Segundo Alberto Escobar (Língua, Cultura e Desenvolvimento, 1974), a linguagem e a sociedade evoluem juntas. O vocabulário de um idioma representa os códigos que uma cultura utiliza para expressar e interpretar a realidade. Quando falta uma palavra para nomear algo, pode ser porque aquele conceito não está plenamente presente na estrutura social e cognitiva daquela sociedade.
No caso do Brasil, a dificuldade em traduzir accountability não é meramente uma questão linguística; é um sintoma da ausência do próprio conceito na cultura e nas práticas institucionais do país. Diferentemente de países onde a responsabilização e a prestação de contas são pilares consolidados da governança, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais para incorporar esses princípios de maneira efetiva.
Mas qual é o impacto dessa lacuna para a governança corporativa brasileira?
A falta de um conceito bem definido de accountability pode se traduzir em fragilidades institucionais que comprometem a transparência, a ética e a eficiência dentro das organizações. Sem uma cultura sólida de responsabilidade e prestação de contas, as empresas enfrentam dificuldades em mitigar riscos, prevenir fraudes e construir relações de confiança com stakeholders. O caso recente das Lojas Americanas é um exemplo disso: a ausência de mecanismos eficazes de supervisão e controle permitiu que práticas irregulares prosperassem por anos sem serem detectadas.
Além disso, em um mundo cada vez mais BANI (Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível), accountability se torna ainda mais essencial. A capacidade de manter coerência e previsibilidade diante da incerteza depende diretamente de líderes comprometidos com a integridade e uma cultura organizacional que valorize a transparência.
Portanto, mais do que buscar uma tradução para accountability, o verdadeiro desafio para o Brasil está em assimilar e internalizar esse conceito. Somente quando a responsabilização se tornar um princípio norteador das relações institucionais e empresariais, poderemos fortalecer a governança e construir um ambiente de negócios mais ético, sustentável e eficiente.
Afinal, sem accountability, como podemos garantir que as organizações estejam verdadeiramente comprometidas com seus propósitos e impactos?
No mundo corporativo atual, investir na cultura organizacional tornou-se essencial para promover as mudanças necessárias ao crescimento exponencial. Uma cultura robusta não só alinha a equipe com os objetivos estratégicos, mas também incentiva a inovação e a agilidade.
A governança corporativa também tem evoluído para adotar formatos mais flexíveis, crucial em um ambiente caracterizado pela fragilidade e incerteza. Nesse cenário, a ambidestria organizacional emerge como um diferencial vital. Capaz de equilibrar a exploração de novas oportunidades com a otimização de operações existentes, a ambidestria permite que empresas entreguem resultados rapidamente sem perder eficiência.
Ao integrar práticas flexíveis de governança com uma cultura organizacional fortalecida, empresas estão mais bem posicionadas para responder às demandas do mercado e promover um crescimento sustentável e responsável.
Assim, as organizações que adotam esta abordagem não apenas sobrevivem, mas prosperam em um mundo cada vez mais complexo e desafiador.
Referências:
Recomendo a leitura do artigo "Clássicos da Revista de Administração Pública: Accountability: Quando podemos traduzi-la para o português?" de Anna Maria Campos. [Leia aqui].
Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2024
Vivemos tempos de conquistas rápidas e glórias instantâneas. As redes sociais nos mostram todos os dias histórias de pessoas que, com um vídeo viral ou um post certeiro, conquistam atenção global e, muitas vezes, ganhos financeiros expressivos. Mas será que esses sucessos imediatos deixam um legado que resiste ao tempo?
Zygmunt Bauman, em suas reflexões sobre a modernidade líquida, nos alerta para a fragilidade de uma sociedade que valoriza o efêmero. O que é celebrado hoje pode ser esquecido amanhã, porque o fluxo incessante de conteúdos e tendências exige novidades constantes. Essa lógica líquida muitas vezes prioriza o impacto momentâneo em detrimento da profundidade e da construção de algo duradouro.
Ao olhar para a história, percebemos que as figuras que verdadeiramente transformaram o mundo não buscaram apenas o "agora", mas dedicaram suas vidas a ideias, causas ou criações que transcenderam sua própria existência. O impacto deles não era medido por curtidas ou compartilhamentos, mas pelo quanto suas ações moldaram a sociedade.
Deixar um legado é mais do que ser lembrado. É garantir que nossas ações, ideias ou criações continuem a gerar valor e transformação no futuro. É construir algo que resista à maré do tempo, algo que inspire, ajude e transforme vidas, mesmo quando já não estivermos aqui.
Se o sucesso viral paga o presente, o legado é o que molda o futuro. O que você está fazendo hoje para que sua história ressoe amanhã?
Invista no que importa. Porque no final, o verdadeiro impacto não está no que foi momentaneamente celebrado, mas no que permaneceu quando tudo o mais passou.
A reflexão que proponho é:
Se estamos tão focados em "monetizar o momento", será que não estamos negligenciando a oportunidade de construir algo maior? Deixar um legado não é apenas sobre ser lembrado, mas sobre impactar vidas de forma significativa, algo que transcenda as métricas passageiras da era digital.
No curto prazo, o sucesso viral pode pagar contas, mas o legado é o que enriquece a história da humanidade. Quais passos estamos dando hoje para equilibrar essas duas dimensões?
Compartilho essa provocação e convido você a refletir: qual será o impacto do seu trabalho ou da sua presença no mundo quando a maré digital recuar?